11/12/2013

O Lobato de Gentili


Monteiro Lobato admirava a eugenia, uma ideia que exalta a “superioridade” da “raça branca" em relação às outras. Em um trecho de carta enviada ao médico eugenista e amigo Renato Kehl, Monteiro Lobato expõe: "Renato, Tú és o pai da eugenia no Brasil e a ti devia eu dedicar meu Choque, grito de guerra pró-eugenia. Vejo que errei não te pondo lá no frontispício, mas perdoai a este estropeado amigo. [...] Precisamos lançar, vulgarizar estas idéias. A humanidade pecisa de uma coisa só: póda. É como a vinha. Lobato”. O criador da boneca Emília seguia uma (dita) “ciência” que justifica o racismo.

Lobato chegou a escrever um livro intitulado O Choque das raças ou o presidente negro, em 1926. Em outra carta, ele explicou a história: "Um romance americano, isto é, editável nos Estados Unidos (...). Meio à Wells, com visão do futuro. O clou será o choque da raça negra com a branca, quando a primeira, cujo índice de proliferação é maior, alcançar a raça branca e batê-la nas urnas, elegendo um presidente negro! Acontecem coisas tremendas, mas vence por fim a inteligência do branco. Consegue por meio de raios N. inventados pelo professor Brown, esterilizar os negros sem que estes se dêem pela coisa". A narrativa previa, em seu desfecho, a eliminação da raça negra pelos “inteligentes” brancos através da inserção de uma substância esterilizante em um produto para alisamento de cabelos crespos. 

Em outra carta, enviada a Arthur Neiva, Lobato lamenta a falta de uma organização como a Ku Klux Klan no Brasil: "Diversos amigos me dizem: Por que não escreve suas impressões? E eu respondo: Porque é inútil e seria cair no ridículo. Escrever é aparecer no tablado de um circo muito mambembe, chamado imprensa, e exibir-se diante de uma assistência de moleques feeble-minded e despidos da menos noção de seriedade. Mulatada, em suma. País de mestiços onde o branco não tem força para organizar uma Kux-Klan é país perdido para altos destinos. André Siegfred resume numa frase as duas atitudes. "Nós defendemos o front da raça branca - diz o sul - e é graças a nós que os Estados Unidos não se tornaram um segundo Brasil". Um dia se fará justiça ao Kux-Klan; tivéssemos aí uma defesa dessa ordem, que mantém o negro no seu lugar, e estaríamos hoje livres da peste da imprensa carioca - mulatinho fazendo o jogo do galego, e sempre demolidor porque a mestiçagem do negro destroem (sic) a capacidade construtiva.”. Para completar, um dos livros preferidos de Lobato, L’Homme et les Sociètes (1881), além de desaprovar a miscigenação, defende que as mulheres, independente da raça, são inferiores aos homens de qualquer raça. Ou seja, Monteiro Lobato também admirava a misoginia.

Pode-se afirmar, porém, que isso afetou as suas obras infantis? 

Respondo com outra pergunta: qual era o seu referencial e público alvo? Ou melhor: qual era o seu objetivo?

Os termos “macaco", “burro”, “fedorento”, "carvão", "ladrão", "vagabundo", "coisa", dentre outros, são amplamente utilizados por Monteiro Lobato para adjetivar seus personagens negros. Será que Lobato utilizava tais termos de forma ingênua e sem segundas intenções? A resposta parece clara, mas o próprio Lobato a respondeu, certa vez, ao confidenciar que sabia que a escrita "é um processo indireto de fazer eugenia, e os processos indiretos, no Brasil, 'work' muito mais eficientemente". Ou seja, Lobato utilizava a escrita para, indiretamente, propagar a eugenia de forma sorrateira e articulada.

Tais termos são ofensivos sem a contextualização da eugenia de Lobato? É claro que são! São termos que insultam e humilham. São termos que atingem, principalmente, crianças e jovens. Não é necessário, ou melhor, não deveria ser necessário construir argumentações tão intensas para demonstrar o que é nítido. 

"King Kong, um macaco que, depois que vai para a cidade e fica famoso, pega uma loira. Quem ele acha que é? Jogador de futebol?". Piada escrita por Danilo Gentili. 

“Quantas bananas você quer pra deixar essa história pra lá?”. Pergunta de Danilo Gentili a um negro.

"Chupadora de rola de genocida e corrupto". Danilo Gentili, a uma mulher.

"Fanzocas a xingue de puta". Danilo Gentili pede, a seus fãs, que xinguem a uma mulher.

Danilo faz piadas sobre negros, mulheres, gays, pobres e qualquer outra minoria que, historicamente, é vítima de repressão. Pergunto: ele é apenas um humorista ingênuo? Ele desconhece a história da humanidade, o real significado da liberdade de expressão e dos direitos humanos? Ele não enxerga as consequências dos próprios atos? Ele não percebe que grande parte do seu público é jovem e alvo fácil?

Gentili tem 34 anos, formou-se em Comunicação Social, é empresário, faz sucesso e comanda um programa de entrevistas. Não acredito que exista ingenuidade em seu currículo. Gentili sabe o que propaga e atinge, busca as consequências, percebe o teor e arquiteta as falas. Ele não é o “bobão alienado” que demonstra ser e faz questão de parecer. Percebo um homem que - convicto - propaga “indiretamente” as próprias ideologias. 

E, pelo sucesso, “work” muito bem.



Cartas extraídas do texto de Ana Maria Gonçalves sobre Monteiro Lobato, em http://www.idelberavelar.com/archives/2011/02/carta_aberta_ao_ziraldo_por_ana_maria_goncalves.php

4 comentários:

Anônimo disse...

Muito bem escrito, mas nao sei se consigo concordar que gentilli e' ideologico.

Pra mim ele parece superficial e nao muito inteligente. A ideologia que vc observa pode ser simplesmente pq ele nao e' um ser pensante. O fato de ser formado ou empresario nunca foram determinantes para pensamento critico e responsabilidade social.

Se fosse diferente, seu humor seria menos exdruluxo, com nuances e difentes camadas de interpretacao. Mas nao e'. E' fraco, mas de facil apelo, especialmente pq nao pressupoe que a audiencia pense muito.

Acho que aquele outro rapaz - Rafael? - comediante que foi ostracizado, pensa bem mais antes de falar. Ainda assim, standup no brasil esta engatinhado, tem muita auto-reflexao a fazer. E o publico tambem.

Obrigado por compartilhar seus pensamentos.

Fabi disse...

Obrigada pelo comentário.

Pelo que tenho visto ultimamente, Gentili passou a demonstrar toda a sua admiração pela direita e suas ideologias. Participa de "debates" com Olavo de Carvalho e cia.
Não sei se é "sem querer" que ele utiliza um linguajar chulo e vazio ao profanar suas "piadas".
Adolescentes adoram idolatrar um "belo monte de vácuo de palavrões" e o público do Gentili é formado, em sua maioria, por jovens.

Anônimo disse...

Não concordo que ele não seja um ser pensante. É inteligente, sim. E muito mais tranquilo do que o passional Rafinha Bastos. É campeão de Audiência dentro da Band, algumas vezes chega a empatar com a GLobo no Ibope. E ainda está sendo disputado pelo SBT e pela Record. O público gosta dele. Enfim, não dá pra conseguir tudo isso sendo burro. Além disso, ele nunca perdeu um processo na justiça. Dizem que tem um grupo jurídico muito bom. E ele já declarou que pede desculpas para quem ficar ofendido, sempre que achar necessário, mas que nunca se sente culpado pelo que diz, pois acha que comediante pode dizer tudo o que quiser. E continua achando ok chamar negro de macaco e parece estar tentando convencer a todos de que isso é liberdade de expressão. Apesar de muitos ficarem indignados, a indignação não é a maioria, tanto que os patrocinadores continuam investindo pesado nele. Enfim, babaca ele é. Burro, não.

Fabi disse...

Concordo. Ele, de bobo, só tem a cara. E, pelo sucesso que faz, presta um desserviço preocupante. Ele sabe as consequências do que diz e, principalmente, gosta delas.